Nasci em época de ditadura militar.
Mas com certeza, eu não tive do que reclamar.
Sou de 64, e no Tatuapé eu nasci e cresci.
Lá passei minha infância que até hoje não me esqueci.
Foi por lá que fiz minhas artes e travessuras.
Infância boa de crianças puras.
Naquele tempo não havia muita televisão.
E era nas ruas que encontrávamos nossa diversão.
Pés descalços, quando muito, um “conguinha”.
Por vezes até dividindo um pé do par com um coleguinha.
Peladas de rua em vias quase sem movimento.
Apenas um ou outro carro nos interrompia por um momento.
Pintávamos traves de gol nas paredes.
E as próprias paredes eram nossas redes.
Quando não, os gols eram chinelos colocados ao chão.
E fazer passar a bola entre eles, era a nossa diversão.
Naquela época, eu fazia amigos na rua e na escola os
encontrava.
Meus colegas de classe eram os mesmos que na rua eu
brincava.
Se podia brincar do raiar ao fim do dia.
E durante ele, era só alegria e correria.
Minha infância boa que não volta mais.
Gostaria de proporcionar aos meus filhos, mas não sou
capaz.
Meu primeiro filho nascido em 87, ainda desfrutou.
De algo que eu brinquei, ele ainda brincou.
Podia empinar pipas com cerol na linha.
Como era normal na infância dele, quanto na minha.
Ainda se podia brincar nas ruas e ter coleguinhas.
Mas já não existiam mais os “conguinhas”.
A garotada já tinha disponível a roupa de marca e
tecnologia.
Embora ainda bem menos do que há hoje em dia.
Nossos filhos ainda nos lembraram um pouco do que
vivemos.
E que deixamos pra trás quando amadurecemos.
Meu segundo filho, já nasceu em 2001.
E vendo a infância dele, não me lembro da minha em
momento algum.
Nem das brincadeiras de rua, nem das peladas, nem de
nada.
E hoje, eu tenho pena da atual molecada.
Eles têm coisa que nós nem sonhávamos que existiria.
A útil, mas talvez maldita tecnologia.
Crianças que não sabem nem sequer correr.
Mas que nos complicados jogos conseguem nos vencer.
Nascem, completam um ano, já com tablets e celulares na
mão.
Presente de pais sem nenhuma noção.
Que pra se livrarem de crianças correndo pelas casas, por
quintais.
Dão aos filhos distrações que os aquietam mais.
Por isso que na minha época, meus exemplos eram meus
pais.
E hoje, exemplos, muitos pais já não são mais.
Eles têm hoje na internet, ídolos da idade deles que só merda
eles falam.
Assistem um após o outro e nem pra comer eles param.
Culpa deles? Culpa dos pais? Culpa da tecnologia?
Acho que um pouco de culpa de todos hoje em dia.
Deles por acharem que horas sentado valem mais que horas
correndo.
Dos pais por se sentirem melhor vendo o que eles estão
fazendo.
Da tecnologia por ter lhes feito pensar que a ação está
na tela.
Quando o melhor da vida é viver ela.
Posso afirmar pro meu filho, convicto do que estou
falando.
Que minha infância correndo foi melhor do que a dele
jogando.
Não posso me esquecer da culpa que o progresso tem.
Que só reservou espaço pra prédios e não pensou em
ninguém.
Então só me resta ver o hoje me lembrando do ontem.
E torcer pra que coisas do passado voltem.
Em dias que pais queiram brincar com seus filhos.
E a falta de tempo e de espaço não sejam empecilhos.
Que eles lhes presenteiem com presença quando pequenos.
E não com coisas para evitar que os filhos os ocupem
menos.
Que as crianças conheçam a tecnologia na hora certa.
E talvez lhes entregá-la cedo não seja uma atitude
esperta.
Entre a infância deles com a tecnologia que eu não tinha.
Com certeza, sem sombra de dúvidas, eu prefiro a minha.
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